Ela se foi essa noite. Costumava ficar para um breve chá.
Seu perfume continua impregnado em minha carne, e eu me pergunto quando foi que te perdi de mim mesma.
Minha alma vaga pelos sete cantos do mundo em busca de respostas para as infinitas questões que se instalam no espírito perturbado.
A melodia escolhida guia as palavras que serão sentidas.
- Quer tomar sua dose de alienação hoje, senhor?
- Sim, por favor.
- Tudo bem, aqui está o seu jornal.
- Obrigado.
Acordei de um sonho.
As gaiolas atrapalhavam minhas asas de voar. Berrei num canto sofrido. Deram-me ração. Comi a ração. Deram-me água. Bebi a água. Continuei gritando o desespero de não voar. Perguntaram o que havia de errado comigo. Respondi que também gostaria de saber. Deram-me um jornal para ler. Defequei nele.
Abri os olhos.
O cheiro de café se espalhava pelos cômodos da casa, e me fez flutuar até o líquido que me faz continuar. O segredo da vida está no sabor das cores.
Sentei em minha cadeira de sempre, abri o jornal: Homem se afoga com o próprio vômito.
O conheci na noite passada. Homem de um metro e meio, barba e cabelo da cor do céu quando chove, trajava vestimentas rasgadas e um sorriso sem dente no rosto. Gritava na rua o desespero que sentia em assistir as almas das pessoas sendo sugadas constantemente, sem que ninguém notasse nada. Dizia sobre os planos que estavam sendo elaborados por trás das cortinas. Todos que o ouviam preferiam rir dos seus sapatos sem solas.
Parou ao lado dele, um homem alto, vestido todo de preto, usando um chapéu e fumando um charuto. Ordenou friamente que o homem parasse de dizer o que estava dizendo para as pessoas, ou então tiraria a vida dele sem pensar duas vezes. Disse que esse era o primeiro e último aviso que daria.
- Você sabe do poder das palavras, seu infeliz?, perguntou o homem de preto.
- Sei, sim. E por isso grito para que todos as ouçam., disse o homem barbudo.
- Você está escolhendo morrer?
- Estou escolhendo o que é certo. Prefiro morrer a viver uma vida calado com o medo de me tirarem a alma.
- A escolha é sua.
- Sempre foi.
É fácil enfiar vômito na garganta de quem foi sufocado pelas próprias escolhas. Você pode matar a carne, mas as idéias são eternas, senhor.
Suspeitavam, dizia o jornal, que a morte do homem era um suicídio bem feito.
O homem de preto sorria satisfeito em sua casa.
- Minhas pequenas marionetes.
Rasguei o jornal. E defequei nele.
Parece que todos vivemos alienados, dentro de um mundo onde não há amor, muito menos respeito. E é triste ver como nós nem fazemos questão de mudar esse quadro.. Pura realidade seu texto!
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