terça-feira, 15 de abril de 2014

A vida como não deveria ser

Você se apaixonou mais uma vez. Corações disparados, sorrisos nervosos descontrolados. As borboletas no estômago são reais – e também as suas conseqüências. Primeiro beijo. Segundo e terceiro. Vocês se gostam cada vez mais e então decidem se relacionar mais seriamente, e então são reconhecidos publicamente como um casal. O tempo passa, e é chegada a primeira discussão – e então se descobre a deliciosa sensação de fazer as pazes. Vocês se declaram e sentem no peito a vontade de fazer com que esse momento não acabe jamais. Mas, sinto avisar-lhes, ele acaba. Não falo do relacionamento. Não. Vejam bem, é do momento que eu estou falando. Prosseguindo. Que gostoso é o início de um relacionamento! E lembro a vocês que o início não se resume apenas aos primeiros dias ou meses. Não. O início geralmente consegue durar alguns anos. Mas então a fase inicial chega ao fim, e então entramos na fase que de fato publica uma história. O dia a dia, a rotina, a intimidade. As suas idas ao cinema para assistir aquela comentada comédia romântica começam a despertar em você aquele sentimento sutil de saudade dos primeiros momentos de um relacionamento. Vale destacar novamente o quão sutil esse sentimento se instala no seu coração. Entre um filme e outro você – vamos colocar um pouco da culpa no inconsciente? Sim? Então tudo bem – continua se alimentando de mídias e pensamentos que despertam a gula dos seus desejos secretos. As brigas então parecem se tornar cada vez mais constantes, e qualquer coisa que o outro faça começa a te “dar nos nervos”.  Mas você vai levando. Às vezes vocês até se questionam o que está acontecendo, e tentam se acertar; mas a verdade é que vocês não suportam a idéia de que já não se suportam mais. Mas ah, tudo bem, a vida é curta e nós somos jovens... Temos tanto tempo para curtir e conhecer pessoas novas! Existem tantas pessoas nesse mundo, ainda é cedo para que eu escolha quem vai estar do meu lado para sempre. Veja só, já dizia Fábio Junior que eu estou na flor da idade nos meus vinte e poucos anos.  Vocês então já não conseguem acreditar na possibilidade de que vão dar certo, e o relacionamento chega ao fim. Alguns sofrem, outros se sentem aliviados, e alguns outros partem logo para outra relação. Há algum mal em qualquer destas opções? Não diretamente. Mas reflitam comigo: quantos inícios serão necessários para que o seu desejo seja saciado? Você já parou pra perceber no quanto você está viciado em estar apaixonado? Você já parou pra refletir no quanto você sonha viver o ideal de um roteirista que sonha o mesmo que você? Já se deu conta de que da mesma forma que você alimenta o seu organismo, os seus pensamentos também precisam de combustível? E já percebeu que esse combustível é tudo aquilo que você ingere pelo ver e pelo ouvir? Já se questionou no que tem se deixado ver e no que tem dado ouvidos por aí? Fomos condicionados a acreditar nessas belas fotografias acompanhadas de românticas trilhas sonoras que desencadeiam no peito aquele antigo desejo da necessidade de afirmação do público alheio. Acostumados a jogar tudo no lixo, começamos a “coisificar” as pessoas e as relações. O liquidificador quebrou na semana passada, mas compensa mais comprar outro. É? É. Aproveitei a liquidação e troquei de parceiro.
Gostosa é a paixão, e viciante é a intensidade, mas até quando vamos engolir a mentira de que ela só pode ser sentida com novos olhares de um estranho que se aproxima na próxima esquina? Eu vejo um mundo viciado numa sedução suja e sem limites morais para expô-la. Eu vejo um mundo tristonho buscando a todo o custo uma tentativa de sorrir de verdade. O quê? Santinha demais ou inocente demais? Longe disso (infelizmente, diga-se de passagem). Numa noite quente resolvi me olhar no espelho, e tudo que encontrei foi uma linda maquiagem encobrindo um par de olhares vagos. Um dia decidi me entregar a esses prazeres cinematográficos e me tornei uma viciada em viver de ficção. A cada mês escolhia uma personagem para imitar (vamos culpar o inconsciente mais uma vez?) e forçava fotos e momentos para ao menos parecer que estava vivendo em uma filmagem clássica – ou apenas um romance qualquer. Você admirava as minhas fotos e queria ser eu, e eu olhava os seus sorrisos e queria ser você. E então eu te pergunto: o que há no seu coração neste exato momento? Já se perguntou do que é que tem se alimentado? Já parou pra perceber que muitos dos sentimentos que continua sentindo se devem ao fato de que você (sem inconscientes, desta vez) continua digerindo imagens, mídias e fantasias que você mesmo passou a criar?
Sabe, o mundo deixou de fazer sentido para mim já faz algum tempo. Me percebi vazia e sedenta de qualquer coisa que me satisfizesse em um determinado momento. Vivi de momentos durante muito tempo da minha vida. Me viciei neles. Me viciei nas paixões, na sedução, troquei de pares românticos que nem ao menos tinha coragem o suficiente para serem consumados. Eu só queria me sentir diferente e exclusiva de alguma forma, e esses olhares me chamaram a atenção. Eu queria ser aquela mulher fatal dos filmes de ação. Mas eu descobri que a verdade é que por trás de toda boca entreaberta e olhares semicerrados existe um espírito que só deseja ser e se sentir amado. Por trás dos espartilhos e dos smokings existe uma alma que clama por um minuto de paz, e deseja com tudo o que possui que pudesse simplesmente ser quem é, sem se preocupar com quem está recebendo mais curtidas nas redes sociais. Buscamos diversas formas de nos afirmar e afirmas as nossas convicções que, ao nos deitarmos, de tão exaustos, já nem dormimos mais. Renato Russo não foi o único a ver um mundo doente, mas, ao contrário do que afirma, tenho certeza que sim: ele chorou.

Até onde você suporta empilhar tantas faces que não as suas? Até quando se despedirá das pessoas com um breve aceno? Até quando se dará à morte que se aproxima a cada manhã que os pássaros cantam? Até quando acreditará que é imortal? Eu vejo um mundo em pedaços que, assim como eu, ergue as mãos para o céu esperando pelo dia que descansará em paz – em vida. Vem comigo, no caminho eu explico.