Você se
apaixonou mais uma vez. Corações disparados, sorrisos nervosos descontrolados.
As borboletas no estômago são reais – e também as suas conseqüências. Primeiro
beijo. Segundo e terceiro. Vocês se gostam cada vez mais e então decidem se
relacionar mais seriamente, e então são reconhecidos publicamente como um
casal. O tempo passa, e é chegada a primeira discussão – e então se descobre a
deliciosa sensação de fazer as pazes. Vocês se declaram e sentem no peito a
vontade de fazer com que esse momento não acabe jamais. Mas, sinto avisar-lhes,
ele acaba. Não falo do relacionamento. Não. Vejam bem, é do momento que eu
estou falando. Prosseguindo. Que gostoso é o início de um relacionamento! E
lembro a vocês que o início não se resume apenas aos primeiros dias ou meses.
Não. O início geralmente consegue durar alguns anos. Mas então a fase inicial
chega ao fim, e então entramos na fase que de fato publica uma história. O dia
a dia, a rotina, a intimidade. As suas idas ao cinema para assistir aquela
comentada comédia romântica começam a despertar em você aquele sentimento sutil
de saudade dos primeiros momentos de um relacionamento. Vale destacar novamente
o quão sutil esse sentimento se instala no seu coração. Entre um filme e outro
você – vamos colocar um pouco da culpa no inconsciente? Sim? Então tudo bem –
continua se alimentando de mídias e pensamentos que despertam a gula dos seus
desejos secretos. As brigas então parecem se tornar cada vez mais constantes, e
qualquer coisa que o outro faça começa a te “dar nos nervos”. Mas você vai levando. Às vezes vocês até se
questionam o que está acontecendo, e tentam se acertar; mas a verdade é que
vocês não suportam a idéia de que já não se suportam mais. Mas ah, tudo bem, a
vida é curta e nós somos jovens... Temos tanto tempo para curtir e conhecer
pessoas novas! Existem tantas pessoas nesse mundo, ainda é cedo para que eu
escolha quem vai estar do meu lado para sempre. Veja só, já dizia Fábio Junior
que eu estou na flor da idade nos meus vinte e poucos anos. Vocês então já não conseguem acreditar na
possibilidade de que vão dar certo, e o relacionamento chega ao fim. Alguns
sofrem, outros se sentem aliviados, e alguns outros partem logo para outra
relação. Há algum mal em qualquer destas opções? Não diretamente. Mas reflitam
comigo: quantos inícios serão necessários para que o seu desejo seja saciado? Você
já parou pra perceber no quanto você está viciado em estar apaixonado? Você já
parou pra refletir no quanto você sonha viver o ideal de um roteirista que
sonha o mesmo que você? Já se deu conta de que da mesma forma que você alimenta
o seu organismo, os seus pensamentos também precisam de combustível? E já
percebeu que esse combustível é tudo aquilo que você ingere pelo ver e pelo
ouvir? Já se questionou no que tem se deixado ver e no que tem dado ouvidos por
aí? Fomos condicionados a acreditar nessas belas fotografias acompanhadas de
românticas trilhas sonoras que desencadeiam no peito aquele antigo desejo da
necessidade de afirmação do público alheio. Acostumados a jogar tudo no lixo, começamos
a “coisificar” as pessoas e as relações. O liquidificador quebrou na semana
passada, mas compensa mais comprar outro. É? É. Aproveitei a liquidação e
troquei de parceiro.
Gostosa é a
paixão, e viciante é a intensidade, mas até quando vamos engolir a mentira de
que ela só pode ser sentida com novos olhares de um estranho que se aproxima na
próxima esquina? Eu vejo um mundo viciado numa sedução suja e sem limites
morais para expô-la. Eu vejo um mundo tristonho buscando a todo o custo uma
tentativa de sorrir de verdade. O quê? Santinha demais ou inocente demais?
Longe disso (infelizmente, diga-se de passagem). Numa noite quente resolvi me
olhar no espelho, e tudo que encontrei foi uma linda maquiagem encobrindo um
par de olhares vagos. Um dia decidi me entregar a esses prazeres
cinematográficos e me tornei uma viciada em viver de ficção. A cada mês
escolhia uma personagem para imitar (vamos culpar o inconsciente mais uma vez?)
e forçava fotos e momentos para ao menos parecer que estava vivendo em uma
filmagem clássica – ou apenas um romance qualquer. Você admirava as minhas
fotos e queria ser eu, e eu olhava os seus sorrisos e queria ser você. E então
eu te pergunto: o que há no seu coração neste exato momento? Já se perguntou do
que é que tem se alimentado? Já parou pra perceber que muitos dos sentimentos
que continua sentindo se devem ao fato de que você (sem inconscientes, desta
vez) continua digerindo imagens, mídias e fantasias que você mesmo passou a
criar?
Sabe, o mundo
deixou de fazer sentido para mim já faz algum tempo. Me percebi vazia e sedenta
de qualquer coisa que me satisfizesse em um determinado momento. Vivi de
momentos durante muito tempo da minha vida. Me viciei neles. Me viciei nas
paixões, na sedução, troquei de pares românticos que nem ao menos tinha coragem
o suficiente para serem consumados. Eu só queria me sentir diferente e
exclusiva de alguma forma, e esses olhares me chamaram a atenção. Eu queria ser
aquela mulher fatal dos filmes de ação. Mas eu descobri que a verdade é que por
trás de toda boca entreaberta e olhares semicerrados existe um espírito que só
deseja ser e se sentir amado. Por trás dos espartilhos e dos smokings existe
uma alma que clama por um minuto de paz, e deseja com tudo o que possui que pudesse
simplesmente ser quem é, sem se preocupar com quem está recebendo mais curtidas
nas redes sociais. Buscamos diversas formas de nos afirmar e afirmas as nossas
convicções que, ao nos deitarmos, de tão exaustos, já nem dormimos mais. Renato
Russo não foi o único a ver um mundo doente, mas, ao contrário do que afirma,
tenho certeza que sim: ele chorou.
Até onde você
suporta empilhar tantas faces que não as suas? Até quando se despedirá das
pessoas com um breve aceno? Até quando se dará à morte que se aproxima a cada
manhã que os pássaros cantam? Até quando acreditará que é imortal? Eu vejo um
mundo em pedaços que, assim como eu, ergue as mãos para o céu esperando pelo
dia que descansará em paz – em
vida. Vem comigo, no caminho eu explico.
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