terça-feira, 22 de maio de 2012

Essa Não é Mais Uma Carta de Amor

A observei no banco da praça. Seu balanço lento com os olhos fechados salientou a música calma que cantava em seus ouvidos. As roupas escuras, o cabelo escondendo uma parte do rosto, fazendo, involuntariamente, a imagem observada se parecer com um poema sombrio de Allan Poe. Era possível se encontrar com algumas lágrimas, se não piscasse os olhos e estas se perdessem com o gesto rápido em que ela passava a mão no rosto, tentando encobrir a visível infelicidade com um olhar frio. Uma idosa vestida de veludo vermelho vibrante, com batom igualmente intenso, passa por ela, cumprimentando-a de modo gentil, e ela, ainda coberta com os cabelos no rosto, se endireita no banco, projetando um movimento nos gestos tensos de um sorriso congelado. O vento frio movimenta suas feições, fazendo com que ela se encolha num abraço solitário. As lágrimas continuam a cair de seus olhos, como cachoeiras violentas que se movimentam ao encontrar com a água parada.
A narração real de um encontro de si próprio interfere no tom poético que as palavras escritas poderiam rumar. Escrever é um dom que se encontra naqueles que sabem chorar. O que são as histórias narradas, senão ficções de nossas próprias vidas, protagonizadas por pássaros que cantam lindamente na janela, quando, no mundo real, queremos mesmo é tacar uma pedra para que os mesmos se assustem, e se coloquem a voar por outras janelas, por favor. O sol machuca meus olhos casados com a luz do luar. Como foi que chegamos até aqui? Me fui de onde deveria voltar. Me tornei a escolha da qual se deve negar.
Sentada num balanço lento com os olhos abertos, saliento a música aconchegante que me faz companhia nessa madrugada. As roupas claras, o cabelo preso para trás envolvendo o rosto - todo à mostra -, fazendo, voluntariamente, a imagem propriamente observada se parecer com uma canção de Kurt Cobain. Polly wants a cracker, I think I should get off her first. Há muito as lágrimas secaram, deixando a passividade impaciente ocupar o seu lugar. Ninguém por perto, apenas a cotidiana solidão de mais uma noite na vida daquela que se encontra sentada no banco da praça quando fecha os olhos.

Nossos olhos selam um pacto,
Ausente de palavras,
Assisto-me em estranha epifania,
Ainda que escassa de coragem.

2 comentários:

  1. Todos estes livros na tua estante
    Já carcomidos de poeira e tempo
    Eles não diminuem o vazio dos teus olhos que lêem e procuram,
    Apenas mostram que há, por aí, tantas outras almas
    perdidas como você...
    Mas não há salvação


    Você dança ao som de todas estas canções
    E canta, e grita, e delira
    Mas há um silêncio ensurdecedor
    Que não vai embora
    E que aperta
    O nó da garganta

    Todas estas pessoas que te cercam e te desejam
    Não sabem o que você é
    nem o que você quer ser:
    Você quer ser livre
    “Completa-mente-solta” (CV)


    Mas teus olhos
    Que mentem e disfarçam
    Que brilham e que também choram
    Seus olhos de ondas enfurecidas
    De tempestades e calmarias
    eles entregam tua tristeza e tua esperança já exausta
    mas que
    (você também não sabe o motivo)
    Persite
    (tão bonita)

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  2. Lindo, e genial.
    Adianta eu falar que fiquei curiosa? :)

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